No Dia Internacional da Mulher, é fundamental que nos permitamos um olhar crítico sobre os mitos que atravessam e adoecem nossas existências. Um deles, profundamente enraizado na cultura patriarcal e racista, é o mito da mulher forte. À primeira vista, ele pode parecer um elogio, um reconhecimento da resiliência feminina. No entanto, ao olharmos mais de perto, percebemos que essa suposta força se impõe como uma armadilha, negando às mulheres o direito à vulnerabilidade e à partilha das cargas que pesam sobre seus corpos e subjetividades.
A força como estratégia de dominação
O mito da mulher forte é uma estratégia de dominação. Ele aprisiona as mulheres em uma posição onde não podem demonstrar fragilidade, nem reivindicar apoio, cuidado e acolhimento. Uma mulher que sofre, que se angustia, que expressa cansaço ou que reivindica direitos muitas vezes é taxada como "mimizenta" ou "exagerada". Esse mecanismo é perverso porque a coloca diante de uma encruzilhada: ou ela se esgota na sobrecarga imposta, ou é culpabilizada por não dar conta.
As consequências desse aprisionamento são devastadoras. Mulheres são incentivadas a aceitar o acúmulo de trabalho doméstico e emocional, a sustentar sozinhas a maternidade, a lidar com relações desiguais sem questioná-las. A feminilidade, nesse contexto, é rejeitada e desvalorizada. Se a mulher expressa sua dor, sua exaustão, logo vem a acusação de “drama”. Essas violências simbólicas funcionam como dispositivos de silenciamento, fazendo com que as próprias mulheres internalizem a ideia de que precisam ser inabaláveis.
O mito da mulher forte e a mulheridade negra
Se todas as mulheres são atravessadas por essa narrativa, para as mulheres negras, a carga é ainda maior. Além da sobrecarga imposta às mulheres em geral, a mulher negra carrega a marca de uma história de desumanização que a associa à resistência inquebrantável, à força incansável. A figura da “mãe preta”, da “mulher guerreira”, que não pode fraquejar, remonta à escravidão e segue ecoando até hoje.
bell hooks nos convida a construir referenciais próprios, que não estejam atrelados às imposições racistas e machistas. Criar novas narrativas sobre o que significa ser mulher negra é um gesto de resistência. Isso implica reconhecer que nossas dores importam, que temos o direito ao cuidado, ao descanso e ao acolhimento. Se recusamos a posição de supermulheres, podemos nos abrir para relações mais justas e menos violentas.
A libertação através da vulnerabilidade
Romper com o mito da mulher forte não significa negar a potência feminina, mas sim reconhecer que essa potência não precisa se sustentar na solidão e no sacrifício. A liberdade feminina passa pelo direito de sentir, de ser cuidada, de dividir responsabilidades.
O amor genuíno, como bell hooks nos ensina, envolve cuidado, compromisso, reconhecimento e respeito. No extremo oposto da violência e da exploração, o amor só pode florescer quando nos permitimos ser vistas em nossa humanidade plena — com força, mas também com fragilidade.
Neste Dia Internacional da Mulher, que possamos nos libertar da obrigação de sermos inquebrantáveis. Que possamos reivindicar espaços de acolhimento e coletividade. Que possamos construir novos referenciais de mulheridade, onde sejamos livres para sermos todas as nossas versões possíveis.
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